Em 1970, o químico John E. Franz, funcionário da empresa de agricultura e biotecnologia Monsanto, descobriu o glifosato – uma substância capaz de sufocar o crescimento de ervas daninhas. Essas plantas vira-latas disputam luz solar, água e nutrientes com as plantações de soja, milho, algodão e outras commodities.
Eliminá-las, portanto, é um jeito certeiro de aumenta a quantidade e qualidade da produção agrícola. O glifosato passou a ser vendido sob o nome comercial Roundup em 1974, e foi extremamente bem-sucedido. Em 2009, mesmo após o surgimento de concorrentes chineses, ainda correspondia a 10% do lucro da Monsanto.
O problema é que o glifosato não acaba só com as ervas daninhas, mas também com os pés de soja, milho e algodão que ele deveria proteger – de maneira que, em 1996, a Monsanto passou a vender a solução para o problema que havia criado: sementes incrementadas com genes que fornecem resistência ao Roundup. Esses genes são patenteados. A combinação do herbicida com as plantas blindadas tomou conta do agribusiness.
O glifosato corresponde a um terço das 540 mil toneladas de agrotóxicos usadas no Brasil em 2017. Este artigo científico da Universidade de Washington associou o glifosato a um risco 41% maior de linfoma não-Hodgkin – câncer no sistema linfático – em seres humanos, mas a conclusão foi discutida e refutada por especialistas. Agências reguladoras como a EFSA, a Anvisa da União Europeia, não reconhecem sua associação com tumores, embora um órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS) dedicado a pesquisas sobre câncer o classifique como “potencialmente carcinogênico”.
Apesar da incerteza sobre o impacto na saúde humana, o glifosato é comprovadamente nocivo em ecossistemas aquáticos, e é comum que, graças às chuvas, ele escorra das plantações para rios, lagos e lençóis freáticos. “Alguns estudos demonstram superpopulação de caramujos em locais com concentração excessiva de glifosato”, explica Paola Lopes, estudante de biotecnologia da UFRGS. “Ele também é responsável por mutações genéticas e má formação congênita em anfíbios e peixes”.
Pensando nisso, Lopes e outros 19 estudantes e pesquisadores da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolveram um método para limpar o glifosato da água: usar boias repletas de bactérias da espécie E. coli, com uma modificação genética que as torna capazes de digerir o agrotóxico e usá-lo no próprio metabolismo.
Explicando: o que você chama de gene é a receita para uma proteína anotada em uma molécula de DNA. Uma das muitas coisas que as proteínas fazem pelos seres vivos é agir como enzimas, isto é: moléculas que aceleram reações químicas.
A bactéria E. Coli já possui um gene cuja enzima é capaz de digerir o glifosato, mas essa enzima é produzida em quantidades modestas. Assim, a equipe da UFRGS usou alguns truques biotecnológicos para dar um gás na fabricação da enzima mágica – e as E. coli ganham a habilidade de digerir glifosato em escala industrial. Esse é o primeiro passo.
O segundo passo é manter as bactérias em rédea curta. Se você simplesmente jogar um monte de E. coli nos corpos d’água contaminados com glifosato, só vai substituir um problema por outro ainda mais grave: as bactérias vão se reproduzir rapidamente graças à abundância de alimento, e desequilibrar o ecossistema.
Assim, o grupo pretende envolver as bactérias em um tipo especial de polímero que deixe a água passar, mas impeça as bactérias de saírem. Esses filtros vivos são atados a boias, que limpam o agrotóxico da água conforme flutuam por aí.
É daí que vem o nome do projeto: Glyfloat, um trocadilho entre “glifosato” e “flutuar” em inglês.
A equipe da UFRGS quer apresentar esse projeto no iGem – uma competição organizada há 16 anos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Boston, nos EUA. O evento reúne estudantes de ensino médio, graduação e pós-graduação para compartilhar as maiores novidades em uma área chamada biologia sintética – a engenharia de seres vivos. Os projetos que batem determinadas metas ganham medalhas – há tanto um prêmio geral quanto prêmios específicos para cada categoria (saúde, meio ambiente etc.).
O problema é a grana: além da taxa de inscrição de 5 mil dólares e do material para modificar as bactérias e produzir as boias, os universitários precisam financiar as passagens para que pelo menos alguns membros da equipe possam comparecer ao evento.
Assim, eles abriram uma vaquinha no site Benfeitoria (você pode acessá-la aqui). Todas as contribuições são bem-vindas – eles têm até o dia 20 de março para bater a meta.
Fonte: Super Interessante Abril.