Domingo, 24 Novembro 2024

Controle biológico será a grande ferramenta do futuro, afirma o pesquisador Sérgio Abud Destaque

Escrito por  Mar 11, 2020

O controle biológico é apontado por pesquisadores, produtores e entusiastas da agricultura sustentável e regenerativa como a melhor ferramenta para se produzir com qualidade e produtividade, respeitando o meio ambiente. O conceito de utilizar biotecnologia e monitoramento das lavouras na agricultura 4.0 está cada vez mais em evidência e o crescimento do mercado de controle biológico só confirma essa tendência.

A Koppert do Brasil, do mercado de controle biológico de pragas e doenças, ouviu o biólogo Sérgio Abud, supervisor da área de transferência de tecnologia da Embrapa Cerrados (Brasília – DF) e coordenador da Caravana Embrapa Frente às Ameaças Fitossanitárias sobre o assunto. Confira:

Como começou seu trabalho com maior ênfase no controle biológico? Qual o fato marcante?

Sérgio Abud – O início dos trabalhos com controle biológico se deu no momento em que a lagarta Helicoverpa armigera era uma praga exótica invasora. E essa espécie já chegou ao Brasil com resistência a alguns dos potentes inseticidas disponíveis no mercado, causando enormes prejuízos aos produtores de soja, milho e algodão. Usar inseticidas químicos com essa espécie não iria resolver o problema. Nós tivemos que resgatar o Manejo Integrado de Pragas (MIP), e com ele o controle biológico, que foi a ferramenta fundamental para o manejo dessa praga e também para preservar as moléculas químicas, evitando a seleção de organismos resistentes ou até mesmo uma resistência cruzada. Se isso acontecesse, nós estaríamos perdidos porque com a dificuldade das empresas em desenvolver novas moléculas, o custo disso e o tempo que leva, não conseguiríamos conter essa praga em nossas lavouras. Quando se estabeleceu o Manejo Integrado de Pragas, a população da Helicoverpa armigera chegou ao equilíbrio. Foi o que me motivou a promover o controle biológico para que nós consigamos preservar as moléculas existentes, manter o equilíbrio ambiental e permitir que o Brasil continue sendo um país com grandes produtividades e importância na busca por alimentar o mundo, além de garantir a segurança alimentar interna.

Como você avalia o atual momento do controle biológico no país?

Abud – Em função dessa experiência que nós tivemos com a Helicoverpa armigera, a prática cresceu muito no Brasil e foi ganhando a confiança dos produtores. Além disso, mostrou aos pesquisadores e empresas que as táticas de manejo apenas com o químico não eram sustentáveis. Eu vou dar um exemplo: produtores em algumas regiões têm selecionado populações de percevejo da soja que são resistentes aos principais produtos químicos. Além disso, o percevejo tem o hábito de fazer a postura no ‘baixeiro’ da planta, lá no terço inferior, onde as melhores tecnologias de aplicação não conseguem chegar com inseticidas para controlar as ninfas na fase inicial. Já no caso do controle biológico, se o agricultor usar um Telenomus ou um Trissolcus , eles atacam diretamente a praga. A integração do controle químico com biológico, tanto conservativo quanto aplicado, e mais o controle cultural, que é a prática de indisponibilizar alimento para as pragas fora do período da safra, tem proporcionado a queda nos custos de produção e uma agricultura ambientalmente muito mais eficiente. Nós estamos passando por um momento muito bom na agricultura, porque o produtor está vendo que não adianta utilizar apenas uma tática de controle de pragas e doenças, ele tem que se ‘tecnificar’ mais e garantir essa sustentabilidade que a gente vem falando para a agricultura brasileira.

Como convencer os produtores a adotar o controle biológico?

Abud – Até o momento da chegada da Helicoverpa armigera o controle químico praticamente dominava as táticas de manejo de inseto no Brasil. Não só de insetos como também de doenças. Visto que os inseticidas não controlavam essa lagarta, os produtores perceberam que havia outras alternativas eficientes que não só o uso de agroquímicos. Para você ter uma ideia, quando nós chegamos na Bahia, a Helicoverpa armigera estava explodindo na região, com mais de 35 aplicações de inseticida. Nós explicamos para os produtores que eles teriam que usar um vírus que causaria doença nos insetos, mas eles duvidaram da eficácia, riram de nós. Então, passamos a usar esses vírus e essas bactérias, e também os parasitoides de ovos, o manejo conservativo com parasitoides de larvas e ninfas, e também de adultos, e os agricultores viram que a ferramenta funciona. Ainda assim, hoje existe certa resistência, mas essa cultura está sendo lentamente quebrada. Nós já temos a adoção do controle biológico no manejo de várias pragas e doenças. O controle biológico está sendo visto como uma ferramenta importante para o manejo de nematoides no solo, de doenças nas culturas e para preservar a diversidade biológica no solo. Além disso, quando os químicos são aplicados na planta, fazem com elas tenham gasto de energia para metabolizar e eliminar esse produto. No caso do biológico, como a planta não gasta essa energia, vai acumulá-la nas folhas, e depois será convertida em plantas mais saudáveis e produtivas. A Koppert tem feito um trabalho muito bom de conscientização do produtor e nós também temos feito muitas palestras mostrando isso. Eu sou membro do CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) e observamos que os recordistas de produtividade já estão usando o controle biológico.

Em que o controle biológico ainda deve evoluir?

Abud – Uma das dificuldades que nós temos é o monitoramento da lavoura, pois temos que trabalhar um passo antes, entendendo e acompanhando a dinâmica e as fases de cada praga ou doença. Além disso, a integração do controle químico com o biológico em médio prazo, eu acho que vai ser uma tática muito importante. Nós tínhamos seis ou sete grandes empresas no mundo que trabalhavam com a produção de químicos – fungicidas, inseticidas e herbicidas, e com o custo da produção de uma molécula nova muito alto. Essas empresas estão se fundindo e terão que manter essas moléculas por mais tempo no campo. E, para que a gente consiga fazer tudo isso, nós vamos depender dessa grande ferramenta que é o controle biológico. Com a chegada da agricultura 4.0, na qual há formas de monitorar melhor as lavouras como drones e sensores, nós vamos conseguir prever a chegada da praga e tomar a decisão de forma mais assertiva, fazendo com que o produtor adquira mais confiança no controle biológico. Além disso, o mundo tem valorizado uma agricultura de menor dano ao meio ambiente. Os países que conseguirem certificar as lavouras com uma agricultura mais sustentável vão garantir o sucesso mundial. A previsão é de que em 2050 o mundo tenha dois bilhões a mais de pessoas, que terão que ser alimentadas com maior produtividade agrícola, mas também de uma forma mais saudável e em harmonia com a natureza. Dessa forma, o controle biológico será a ferramenta do futuro como a principal forma de manejo das pragas e doenças. Se existe o invasor, existe o predador na natureza, sempre foi assim e se expandirá no futuro.

* Entrevista concedida a Alexandre Milanetti.

Fonte: Grupo Cultivar

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